Resenha: Macunaíma - Mário de Andrade
Análise
Macunaíma é
um dos romances modernistas mais
importantes da literatura brasileira, escrito pelo poeta brasileiro
Mário
de Andrade (1893-1945),
publicada em 1928. A
obra
é construída
no encontro de lendas indígenas (sobretudo as amazônicas recolhidas
e publicadas pelo etnólogo alemão Koch-Grünberg), e da vida
brasileira quotidiana, de misturas com lendas e tradições populares
criada
para
criticar e ao mesmo tempo exaltar a população
Macunaíma
é a obra que expressa melhor os objetivos dos artistas Modernistas.
Eles pretendiam equiparar a cultura brasileira às outras de
prestígio. O Movimento Antropofágico acreditava que deveríamos
aproveitar as qualidades de outras culturas e transformá-las em algo
verdadeiramente nacional, o próprio fato do autor dizer que o livro
é uma “rapsódia” já expressa essa incorporação daquilo que é
“bom” no exterior ao movimento nacional.
O
grande tema da rapsódia é o Brasil, sua cultura, sua gente. A
criação é considerada um indianismo moderno e é escrita sob a
ótica cômica. É uma obra surrealista, com elementos futuristas,
onde se encontram aspectos ilógicos, fantasiosos e lendários.
Apresenta críticas implícitas à miscigenação étnica (raças)
(tal crítica ocorre quando os irmãos de Macunaíma tentam também
entrar no rio onde ele ficara branco, porém, pelo fato da água já
estar “suja” por Macunaíma ter entrado, o segundo adquire uma
tonalidade “bronze novo”, representando os aborígenes, já o
terceiro, Maanape, somente fica com as palmas dos pés e das mãos
brancas, representando os negros) e religiosa (catolicismo,
paganismo, candomblé) (esse aspecto aparece em destaque no episódio
no qual Macunaíma recorre à macumba para derrotar o Gigante Piaimã)
e uma critica maior à linguagem culta já vista no Brasil (capítulo
IX: Carta das Icamiabas, no qual Macunaíma manda uma carta para
pedir mais dinheiro – já que ele e seus irmãos estavam em São
Paulo tentando recuperar o amuleto em posse do Gigante – utilizando
uma linguagem “oculta”, embora com muitos erros e critica o fato
de falarmos em uma língua e escrevermos em outra). Além disso,
temos que a personagem principal representa o povo brasileiro,
mostrando a atração pela cidade grande de São Paulo (embora o
protagonista ainda sentia-se dividido entre a cidade e o seu reino) e
pela máquina, além de todas as suas características
“depreciativas”, vistas de um olhar ocidental europeu
O
autor faz grande aproximação da língua escrita e da língua
falada, além de buscar uma valorização da cultura nacional,
utilizando provérbios e
neologismos brasileiros
e
valorizando suas raízes e diversidades.
Em
Macunaíma,
Mário de Andrade sai do óbvio e cria uma nova linguagem literária,
e embora tenha grande aspecto nacionalista, não se abstém de
apontar os defeitos do país, seguindo uma tendência mundial, mas em
tom originário e nacional.
No
episódio “Carta pras Icamiabas”, Andrade satiriza ainda mais o
modo como a gramática manda escrever e como as pessoas efetivamente
se comunicam, assim
como Oswald de Andrade e o poema “Pronominais”.
Aproveitando-se do artifício de uma carta escrita, Macunaíma
escreve conforme a grafia arcaica de Portugal, explicitando a
diferença das regras normativas arcaicas e da língua falada: “Ora
sabereis que sua riqueza de expressão intelectual e tão prodigiosa,
que falam numa língua e escrevem noutra”. É
preciso lembrar que está sendo falado de um período que sucede o
Parnasianismo e a crítica ferrenha contra o “cultismo parnasiano”
estava a todo vapor e aparecia de todas as formas possíveis, como,
por exemplo, ao
longo da obra são comuns as substituições de “se” por “si”,
“cuspe” por “guspe”, entre outras.
A
grande genialidade da obra foi conseguir unir esses muitos elementos
em uma narrativa coesa. Para isso, Mário de Andrade lança mão de
algumas características da composição modernista. O espaço em
Macunaíma não segue as regras da verossimilhança dos romances
realistas, embora as
características acerca da ruptura com o academicismo continue, há
no livro uma ausência de
vírgulas, em uma série enumerativa, normalmente referindo-se às
riquezas brasileiras. A
ruptura da sintaxe feita por Mário de Andrade é um o recurso
do futurismo.
A
obra possui um narrador
onisciente o qual somente descobrimos que ele conheceu
a história por meio de um papagaio que repetiu tudo o que Macunaíma
disse-lhe.
Há uma resposta paradoxal para essa pergunta: se o homem contou a
história pela forma a qual o papagaio contou a ele, pode-se entender
que Macunaíma é o verdadeiro narrador da história, contando-a em
terceira pessoa, sendo um narrador-personagem, já que – mesmo
desconsiderando que a lógica não é algo relevante na obra –
seria inviável o narrador narrar algo o qual ele não presenciou,
logo, ele somente falou o que ouviu.
“Tudo
ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou
eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que
vim aqui. Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos,
ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando
na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa
gente.” - Epilogo.
A
obra passa-se, supostamente, no século XX, porém, o tempo mítico
predomina. O tempo narrativo é “ziguezagueante”, é uma mistura
de tudo, uma mescla, do passado, do presente e do futuro, embora haja
trechos a onde predomine um dos tempos. É psicológico, pois o foco
maior não é no tempo e sim nos acontecimentos não lineares. Tal
como uma junção de contos, Macunaíma é um conjunto de histórias
de uma mesma personagem. O surrealismo empregado – por não
respeitar o tempo e o espaço – transforma a prosa em uma poesia
prosaica dando destaque ao psicológico da personagem sem nenhum
carácter, mesmo que não haja uma análise das características de
cada individualidade
como acontecia no Realismo, contudo,
o psicológico continua
a determinar
as consequências das ações. Logo, o tempo está submisso a
narrativa.
A
falta de cronologia pode ser justificada com o fato de no livro ser
permitido que uma narração fosse interrompida por uma fala, o que,
em uma narrativa cronológica, não seria permitido:
“Lá
chegado ajuntou os vizinhos, criados a patroa cunhãs datilógrafos
estudantes empregados-públicos, muitos empregados-públicos! Todos
esses vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do
Arouche e matara dois…
—
…mateiros,
não eram viados mateiros, não, dois viados catingueiros que comi
com os manos. Até vinha trazendo um naco pra vocês mas porém
escorreguei na esquina, caí derrubei o embrulho e o cachorro comeu
tudo.”
- Capítulo XI – A
Velha Ceiuci
Estrutura da Obra
A
obra Macunaíma é predominantemente escrita na terceira pessoa,
contudo, é muito frequente o uso da primeira pessoa, marcada pela
fala das personagens (discurso direto). Em relação ao tempo, note
que trata-se de uma “narrativa ziguezagueante”, onde o passado, o
presente e o futuro se mesclam e a linearidade não existe. Quanto ao
espaço da narrativa, Macunaíma passa por muitos lugares, algumas
cidades brasileiras de diferentes estados e países da América do
Sul. A obra está dividida em 17 capítulos e 1 epílogo, a saber:
-
Capítulo I: Macunaíma
-
Capítulo II: Maioridade
-
Capítulo III: Ci, Mãe do Mato
-
Capítulo IV: Boiúna Luna
-
Capítulo V: Piaimã
-
Capítulo VI: A francesa e o gigante
-
Capítulo VII: Macumba
-
Capítulo VIII: Vei, a Sol
-
Capítulo IX: Carta pras Icamiabas
-
Capítulo X: Pauí-pódole
-
Capítulo XI: A velha Ceiuci
-
Capítulo XII: Tequeteque, chupinzão e a injustiça dos homens
-
Capítulo XIII: A piolhenta de Jiguê
-
Capítulo XIV: Muiraquitã
-
Capítulo XV: A pacuera de Oibê
-
Capítulo XVI: Uraricoera
-
Capítulo XVII: Ursa maior
-
EpílogoResumo
Macunaíma,
nome traduzido como “Grande
Mau”, nasce preto às margens do mítico rio Uraricoera, no fundo
de um mato virgem (a expressão “fundo” designa fazenda, que é
uma nomenclatura de onde ainda não penetrou a civilização, estando
sem contato com a raça invasora), sendo dito como sendo “filho da
noite e do medo”, provindo
de uma índia tapanhumas,
feio, grande e muito
preguiçoso, fala
tardiamente e só anda quando ouve o som do dinheiro. É um menino
mentiroso, traidor, pratica muitas safadezas, fala muitos palavrões.
A frase característica da personagem é “Ai, que preguiça!”.
Como na língua indígena o som “aique” significa “preguiça”,
Macunaíma seria duplamente preguiçoso.
Tem
dois irmãos, Maanape e Jiguê. Ele cresce, vira príncipe na
mata ao ser encantado e trai
o irmão Jiguê ao brincar com as cunhadas, primeiro Sofará e depois
Iriqui, aliás, a personagem
sofre diversas metamorfoses durante a história: de índio a homem
branco de olhos azuis, torna-se peixe, inseto e até mesmo pato, de
acordo com a necessidade e também tendo a capacidade de transformar
seus irmãos em objetos, como carros e telefones, fazendo uma outra
crítica para com a sociedade vigente, sem contar com sua habilidade
de correr ao redor do mundo, indo de São Paulo para o Rio de Janeiro
e de lá para Paris, voltando antes que o dia acabe, criticando as
velocidades do mundo moderno.
Vira homem, definitivamente,
e mata a mãe, enganado por Anhangá. Com
a morte dela, os três saem para caçar aventuras e acaba encontrado
com Ci, a Mãe do Mato, guerreira amazona da tribo da Icamiabas. Com
a ajuda dos irmãos, Macunaíma
se casa
com Ci e torna-se o
Imperador do Mato Virgem. Ci lhe deu um filho, mas a criança morre,
transformando-se em planta do guaraná. Cansada e desiludida, sua
esposa vira a estrela Beta da Constelação Centauro. Antes de
partir, porém, ela deixa-lhe ao esposo a muiraquitã, uma pedra
talismã que lhe daria a garantia de felicidade.
Macunaíma
cheio de tristeza decide ir embora com seus irmãos e voltam para o
Brasil. No caminho encontram monstro Capei que após ser derrotado
pelo herói vira a Lua. É durante este ocorrido que Macunaíma perde
a Muiraquitã. Descobre depois que a pedra fora parar na barriga de
uma tartaruga e que depois a pedra fora vendida a um peruano chamado
Vencesleu Pietro Pietra que enriquecera e agora morava em São Paulo.
O
protagonista e seus irmãos
partem para São Paulo em busca de seu amuleto. O que o herói não
sabia era que o comerciante Venceslau era apenas um disfarce e sua
real identidade era Piaimã (que
é casado com Ceiuci),
gigante comedor de gente que anula todas as investidas de Macunaíma
contra ele.
O
índio decide fantasiar-se de francesa para seduzir Piaimã e ter de
volta seu amuleto, mas o plano acabou sendo frustrado. O
Gigante
Piaimã representaria
o elemento estrangeiro, civilizado e superior que vai dominando a
pobre nação subdesenvolvida e fraca. O herói transforma-se na
francesa
para negociar o talismã com o gigante, mas este se apaixona e quer
possuí-lo antes de entregar a pedra. Nessa
passagem existe uma crítica de que o brasileiro só valoriza aquilo
que é de fora, por
isso a escolha da nacionalidade da mulherDepois
disso, Macunaíma parte para
o Rio de Janeiro e lá conhece a deusa sol Vei, que promete dar à
Macunaíma uma de suas filhas em casamento. Porém, ele acaba por
namorar uma portuguesa e enfurecer a deusa.
Macunaíma,
para recuperar seu talismã, apela
então para a macumba, onde
ele fica sabendo que é filho de Exu e canta um “Pai Nosso do
Diabo” (que realmente existe)
e só então consegue derrotar o gigante e recuperar a muiraquitã.
Tendo alcançado seu objetivo, Macunaíma retorna para o Amazonas e
regressa à sua tribo.
O
protagonista
e seus irmãos decidem retornar à Uraricoera, mas, ao chegar, não
encontram sua tribo. Os irmãos de Macunaíma morrem no caminho
devido à vingança do herói, que enfrenta os dias solitários até
que um papagaio aparece e escuta toda a sua história. Porém,
ao
ser estimulado por um calor muito forte pela vingativa deus Vei, que
estimula a sensualidade do herói,
ele
resolve nadar em um lago para se refrescar e é seduzido pela
mãe-d’água Iara, que o despedaça. Ao sair das águas, sem várias
de suas partes, Macunaíma consegue se colar; porém, não consegue
encontrar uma perna e,
novamente, muiraquitã.
Sem ter mais o que fazer na Terra,
sobe ao céu e vira a constelação da Ursa-Maior.
Curiosidades
*“Macunaíma”
ao
lado de “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel
Antônio de Almeida, é considerado o livro
que
traça, de fato, um perfil da identidade nacional – o da
malandragem, utilizando-se
um protagonista picaresco.
*
O termo “rapsódia” do grego “rhapsodía”,
significa “recitação de poema”, e do latim “rhapsodia”,
representa o canto ou livro de poemas. Importante destacar que
segundo o próprio autor da obra, Mario de Andrade: “Este
livro afinal não passa de
uma
antologia do folclore brasileiro”.
Macunaíma possui um caráter épico e,
segundo os gregos, “rapsódia’
representava fragmentos de cantos épicos, ou seja, uma obra
literária que absorve todas as tradições orais e folclóricas de
um povo, como a Ilíada ou a Odisseia de Homero. Tal
fato evidencia uma incorporação de um elemento externo na cultura
brasileira, sendo esse um dos conceitos do Movimento Antropofágico.
*
Virar astro, na cosmogonia indígena brasileira, significa virar
tradição. Nas palavras de Mário de Andrade: “vai ser astro, que
é o destino fatal dos seres (tradição)”, o que significa
tornar-se uma referência para o presente. Na mitologia indígena,
tudo se transforma em alguma coisa, pois a morte não é encarada com
o desaparecimento total, o
gigante Piaimã é uma das poucas personagens do livro que não vira
estrela.
*
Uma
das mais celebres frases do livro é “Muita saúva, pouca saúde”.
Nesta colocação, Mário de Andrade nos mostra que dentro de uma
sociedade agrária, qualquer praga que prejudique a produção, o
que pode
prejudicar muito o povo, logo,
muita
saúva é um problema nacional.
*
O carácter referido no título do livro não é referente à moral
da personagem e sim ao fato de que, segundo o próprio autor, “o
brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização
própria nem consciência tradicional”, logo, sendo Macunaíma o
representando da sociedade brasileira, ele não tem carácter
(porém, como dito em seguida, moral pode ser uma reinterpretação
de caráter). Embora o livro
esteja completando 90 anos esse ano, é possível perceber que pouco
– ou nada – mudou desde o tempo de sua publicação, sendo
possível comparar e constatar que somente os meios mudaram.
Macunaíma continua sendo uma representação de um brasileiro sem
moral (como explicado pelo professor de Filosofia e advogado
Anderson Pinho, a moral do povo brasileiro é inexistente pois
necessita de um espírito de consolidação da nacionalidade, tal
qual Mário de Andrade em um prefácio não publicada diz que o
brasileiro não possui, logo, “carácter” pode ser substituído
por “moral” sem muitos prejuízos no significado da
caracterização da personagem).
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