Resenha: Canaã - Graça Aranha


Introdução
Pode-se começar expondo que Canaã é um livro de Graça Aranha publicado no Brasil em 1902 e tendo sida editada diversas vezes pelo ator até sua morte.
Em suma, o romance aborda a imigração alemã no estado do Espírito Santo, sendo representada pelas personagens Milkau e Lentz, que representam diferentes linhas filosóficas que comunalmente os imigrantes europeus apresentavam.
Além desses diferentes pontos de vistas dos imigrados, há também a abordagem de temas como opressão feminina, representada pela personagem Maria, imperialismo germânico, também representado por Lentz, corrupção dos administradores públicos, protagonizado por representes da justiça que amedrontaram e extorquiram os colonos, e, como há de esperar-se, o conflito de adaptação à nova terra.
Um fato importante nessa literatura é que o espaço onde ocorre os eventos é deslocado das regiões metropolitanas de São Paulo e principalmente a do Rio de Janeiro. Embora ainda seja na região Sudeste, isto é, no Espírito Santo, a escolha do ambiente não é tão previsível.
Em Canaã, pode-se encontrar elementos fusionados do Realismo e do Simbolismo, ainda é possível também classificá-lo com o primeiro romance tese. Vale ressaltar que o Pré Modernismo não pode ser considerado uma escola literária ou um estilo de época, na verdade, corretamente ela é classificada com um período de transição e onde há uma visível preocupação com a realidade brasileira de uma forma mais crua e menos grotesco como era visto no Realismo.
Temos no texto um forte aspecto descritivo, com uma fixação da paisagem, e, como já mencionado, realístico. Há também uma grande detalhismo com impressões visuais, tácteis e olfativas.
Ao lado de Sertões, de Euclides Cunha, Canaã é um dos marcos do Pré Modernismo brasileiro.

Resumo Crítico
Milkau e Lentz são dois jovens alemães que imigram para Porto do Cachoeiro (hoje, Santa Leopoldina), Espírito Santo. Trabalhando como colonos, desenvolvem uma relação de amizade e de competição, mesmo expressando duas filosofias de vida diferentes.
Milkau é motivado a vir para o Brasil após a morte de seus pais e sua amada. Ele decide largar tudo e buscar a sua “Terra Prometida” que seria representada pelo país, em sua concepção inicial. Milkau é liberal, sonhador, socialista, ex-crítico literário em um jornal de Berlim, voltado para a arte, para a natureza, amante da paz, da comunhão fraternal entre os homens. Milkau representa o apego místico ao solo tropical (ufanismo). Suas ações são movidas pela “Lei do Amor”.
Um trecho que comprova sua personalidade e ideologias é:
Os seres são desiguais, mas, para chegarmos à unidade, cada um tem que contribuir com uma porção de amor. O mal está na força...”
Lentz, porém, é adepto das teorias racistas. Para ele, os brasileiros, por serem mestiços, estão condenados à dominação por parte de raças “superiores”, são ociosos e preguiçosos. Lentz profetiza a vitória dos arianos, enérgicos e dominadores, sobre o brasileiro fraco e indolente. Somente ele está no país porque seria obrigado a se casar com a filha de um general amigo de seu pai, preferindo começar vida nova, longe dos deveres e obrigações impostos por sua sociedade. Suas ações dão movidas pela Lei da Força”.
Um trecho que comprova sua personalidade e ideologias é:
Mas o que se tem feito é quase nada, e ainda assim é o esforço do europeu. O homem brasileiro não é um fator do progresso; é um híbrido. E a civilização não se fará jamais nas raças inferiores. Vê, a história...”
Enquanto Mikau acreditava no futuro do Brasil, e no beneficio da miscigenação de povos trazia, Lentz via o Brasil como um país perdido, que seria dominado por nações “superiores” e “puras” como os povos germânicos.
Por fim, temos Maria, filha de imigrantes que trabalha para a família Kraus, e nunca chegou a conhecer seu pai, que morreu precocemente. No decorrer da trama, sua mãe também acaba falecendo e ela acaba sendo seduzida pelo neto do patrão que induz a pensar que ele seria mais que um simples amante, seria um futuro marido. Porém, após a morte de Augusto, seu protetor e avô de Moritz Kraus, os pais dele percebem a aproximação dos dois e afasta-o com intuito que ele se case com uma moça rica, entretanto, nessa altura, ela já estava grávida e gradualmente os patrões notam isso, fazendo com que haja um desconforto enorme com a possibilidade disso atrapalhar o casamento do filho, gerando com que tentem arranjar uma desculpa para despedirem a moça. A desculpa surge assim que ela deixa um prato cair e quebra-o. (Neste trecho do livro, os patrões ficam tão enfurecidos que até mesmo ameaçando-a com uma espécie de pau de madeira para ela sair da sala, não a dando nem tempo para arrumar sua trouxa)
Quando Milkau conhece Maria durante uma festa, antes do nascimento de seu filho, sua imagem permanece fortemente na sua memória e, com isso, ao tomar ciência da sua situação de desemprego e sem um lugar para ficar, sendo até que mesmo ela foi rejeitada pela igreja quando vai pedir ajuda a um pastor e acusada ser louca e prostituta, ele faz de tudo para ajudá-la. A ajuda, entretanto, é amarga, já que o novo emprego que ela consegue, o tratamento é pior que o anterior.
Após muitas vicissitudes, muito perrengues enfrentados, Maria dá à luz seu filho no mato no cafezal, onde a criança é devorada pelos porcos selvagens. (Ela desmaia após o parto, por isso que os porcos têm a oportunidade de fazer isso)
Desolada, Maria chora, quando, de repente, a filha dos colonos, seus novos patrões, aparece e a acusa de matar seu próprio filho e é presa. Milkau fica sabendo, e começa visitar a amiga e acompanha todo o caso. Ele acompanha todas as sessões, chegando a ficar amigo do juiz Paulo Maciel. Este lhe diz que o final não será feliz, pois os depoimentos não deixam brecha para a inocência. O imigrante e Maciel aproveitam os encontros para analisar a justiça brasileira, os brasileiros e seu patriotismo.
O juiz impossibilitado de fazer justiça por uma série de circunstâncias observa que a decadência ali existente é um “misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo, e do esgotamento das raças acabadas.”
Tudo caminha para ela ser sentenciada culpada. Milkau então tira-a da cadeia e foge com ela, em busca de Canaã, “a Terra Prometida”, onde os homens vivem em harmonia. Porém, durante essa fuga, Milkau conclui que nunca será possível alcançar essa “Terra” durante a vida, terminando o livro em aberto com o seguinte trecho:
Não te canses em vão... Não corras... É inútil... A terra da Promissão, que eu te ia mostrar e que também ansioso buscava, não a vejo mais... Ainda não despontou à Vida. Paremos aqui e esperemos que ela venha vindo no sangue das gerações redimidas. Não desesperes. Sejamos fiéis à doce ilusão da Miragem. Aquele que vive o Ideal contrai um empréstimo com a Eternidade... Cada um de nós, a soma de todos nós, exprime a força criadora da utopia; é em nós mesmos, como num indefinido ponto de transição, que se fará a passagem dolorosa do sofrimento. Purifiquemos os nossos corpos, nós que viemos do mal originário, que é a Violência... O que seduz na vida é o sentimento da perpetuidade. Nós nos prolongaremos, desdobraremos infinitamente a nossa personalidade, iremos viver longe, muito longe, na alma dos descendentes... Façamos dela o vaso sagrado da nossa ternura, no qual depositaremos tudo o que é puro, e santo, e divino. Aproximemo- -nos uns dos outros, suavemente. Todo o mal está na Força, e só o Amor pode conduzir os homens...
Tudo o que vês, todos os sacrifícios, todas as agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas errantes da Liberdade. E essas expressões desesperadas, angustiosas, passam no curso dos tempos, morrem passageiramente, esperando a hora da ressurreição... Eu não sei se tudo o que é vida tem um ritmo eterno, indestrutível, ou se é informe e transitório... Os meus olhos não atingem os limites inabordáveis do Infinito, a minha visão se confina em volta de ti... Mas, eu te digo, se isto tem de acabar para se repetir em outra parte o ciclo da existência, ou se um dia nos extinguirmos com a última onda de calor, que venha do seio maternal da Terra; ou se tivermos de nos despedaçar com ela no Universo, desagregar-nos, dissolver-nos na estrada dos céus, não nos separemos para sempre um do outro nesta atitude de rancor... Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte...”
Tem-se, portanto, uma tese paradoxal: o livro todo é “otimista”, tom esperançoso prevalecendo, e, tem-se como conclusão a felicidade só na morte.


Uma curiosidade que é válido citar: o livro foi escrito muito antes da fortificação das teorias arianistas, do nazismo, que proclamavam a “superioridade biológica da raça ariana” (a que pertencia o povo alemão) e, consequentemente, a necessidade de dominar as “raças inferiores”. Entre estes, colocavam-se os judeus, eslavos, ciganos e negros. Também era necessário extinguir os que eram considerados “doentes incuráveis”, como os homossexuais, epiléticos, esquizofrênicos, retardados, alcoólatras, etc. Com a ascensão de Hitler ao poder, a ideologia nazista passou a influenciar também na ciência do país, que se dedicou a inventar teorias supostamente biológicas para o racismo e o antissemitismo.
Ou seja, o livro foi um presságio a que via vir a acontecer até o período final da Segunda Guerra Mundial, mesmo que a ideia do “pan arianismo” não fosse recente.

Outra curiosidade é que o juiz Paulo Maciel é o próprio Graça Aranha, um juiz sensível, que se sente deslocado diante da corrupção e das injustiças com que a esfera judicial se move, mas, não tem forças para nadar contra esta corrente e fica angustiado com isso, realizando alguns diálogos profundos com Milkau.

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